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30 de setembro de 2022 as 09:21 / Geral

Aos 105 anos, a moradora mais idosa do município de Ernestina, dona Luzia concede entrevista ao professor e historiador Alexandre Aguirre

Minha História, Minha Vida 🌺

Como já dizia o escritor irlandês Oscar Wilde: “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”. É uma frase simples, mas com uma enorme sabedoria. O fato é que a vida acontece todos os dias – com alegrias, tristezas, surpresas e decepções.

AA: Qual o seu nome completo?
AL: Ana Luzia Brito Busch

AA: Quando e onde a senhora nasceu? Descreva sua casa, sua vizinhança, como era à época a cidade onde senhora cresceu e viveu?

AL: Nasci dia 25 de setembro de 1917, na casa dos meus pais, na localidade de Três Lagoas, lembro que a casa onde nasci era de madeira bem simplesinha (perto hoje, onde tem os pés de abacateiro), sou a quarta filha do casal. Meu pai era natural de Soledade, mas a minha mãe era de Ernestina, após o casamento, os meus pais moraram por um tempo em Ernestina, após, foram residir em Três Lagoas, até o final da vida. Os vizinhos moravam longe, mas tinha o meu tio que residia mais próximo. Na época a nossa residência não possuía luz elétrica, ou seja, era utilizado o lampião a querosene. Dona Luzia lembra que a sua mãe fazia vela em casa, ela usava cera derretida de abelha misturada com sebo para a mesma ficar mais firme e durar por mais tempo, evitando assim, que a vela derretesse mais rápido. O pavio era feito com pano velho branco, também recorda que na cozinha era usado o lampião a querosene, onde a fumaça deixava as paredes e o forro da cozinha escura, porém nas outras repartições da casa era usado a vela.

AA: Residiu sempre em Ernestina ou também em outras cidades, quais?

AL: Residi sempre no município de Ernestina (à época Município de Passo Fundo e Distrito de Pulador).

AA: Conte sobre seu pai (o nome dele, local de nascimento). Compartilhe algumas recordações, ensinamentos ou algum legado que o seu pai deixou.

AL: O meu pai chamava-se José Alexandre de Brito, natural de Soledade. Quando eu tinha nove anos de idade, meu pai voltou trabalhar em Soledade, na exploração de pedras preciosas. Ele também era agricultor, plantava quase tudo que precisava para subsistência da família. Dona Luzia lembra que quando sobrava uma quantia de feijão ou milho, uma parte era vendido. Também o pai criava porcos e galinhas, além de vacas de leite e bois para utilizar na canga. Na nossa propriedade era produzido erva mate, somente para o gasto da família.

AA: Fale sobre sua mãe (o nome dela, local de nascimento). Compartilhe algumas recordações que tem de sua mãe.

AL: A minha mãe chamava-se Rosalina Marcondes de Brito. Nasceu em 1875 e viveu sempre na localidade de Três Lagoas. Lembro que quando a mãe ia para Passo Fundo, ela contava que ainda Passo Fundo, não contava com energia elétrica à época. Dona Luzia recorda que a sua mãe foi a sua alfabetizadora, ela era professora, onde ensinou o primeiro e o segundo livro para ela. A mãe também costurava roupas de homens, dona Luzia recorda que quando a sua mãe estava costurando, ela ficava em sua volta com um livro na mão, sentadinha em um banquinho, onde a mãe parava um pouco de costurar para lhe ensinar o primeiro e o segundo livro. A mãe tinha o hábito de escrever cartas, lembra que sua mãe escrevia carta para o namorado dela, porém as cartas que o seu namorado enviava para ela, porém nunca chegou em suas mãos, pois a minha vó, não entregava as cartas do namorado para sua mãe, aliás as cartas eram muito bem escritas, conforme algumas encontradas mais tarde, lembra dona Luzia. Minha mãe era uma pessoa letrada e culta, porém nunca reprendia nós por falar alguma palavra errada.
Dona Luzia lembra que na época da mãe dela ainda não tinha escola regular para ir estudar, ou seja, a educação era particular e os professores ensinavam na própria residência dos alunos. As famílias que tinham condições contratavam os professores particulares para ensinar na sua própria casa, senão ficavam sem apreender, explica ela. A irmã mais velha de dona Luzia, foi parar um período em uma residência de uma tia que residia na localidade de Encruzilhada Muller, onde havia um professor que ensinava alguns alunos em sua residência. Mais tarde, já tinha uma escola pública em Pulador, onde uma das suas irmãs começou frequentar essa escola.

AA: Que tipo de trabalho ou oficio de seus pais?

AL: O pai era agricultor e a mãe além de educadora, ajudava o pai trabalhar na lavoura, mas também cultivava uma horta em casa. Dona Luzia lembra que em uma ocasião seus pais chegaram vindos da lavoura ao meio dia, com o corpo quente, a sua mãe foi se lavar em um lugar onde a água estava ainda congelada em virtude do local que pegava a sombra do galpão, após se lavar, acabou dando um reumatismo e um resfriado que sua mãe não conseguia nem segurar o talher para comer.

AA: Em quantos irmãos são? Qual o nome de seus irmãos e suas irmãs? Descreva algo que lhe pareça mais importante sobre cada um de seus irmãos.

AL: Quatro irmãs, todas mulheres. A mais velha das irmãs chamava-se Noeli, Jurandi, Araci e eu, Ana Luzia. A dona Luzia lembra de uma travessura da irmã mais velha, Noeli, ela conta que a irmã foi em um mato próximo da casa, onde tinha um pinheiro (araucária), a qual subiu no pinheiro e estava lá tirando pinhão, quando a sua tia o avistou e o reprendeu dizendo que contaria para sua mãe Rosalina, o que fez, a irmã Noeli com 14 anos, descer rapidamente de medo da sua mãe saber desta travessura perigosa.

AA: Quais eram suas matérias favoritas na escola? Por quê?

AL: Geografia. Trabalhei de professora, mas contratada por Passo Fundo. Participava de cursinhos promovidos pela Prefeitura, com as demais colegas educadoras. Em uma oportunidade ocorreu uma avaliação, em geografia tirei nota cem, aliás a única nota cem da turma, cuja matéria era a minha preferida.

AA: De quais matérias a senhora gostava menos?

AL: Matemática.

AA: Como a senhora vê a escola nos dias de hoje, ou melhor, como vê a educação nos dias atuais, teve melhoras, avanços?

AL: Atualmente a escola melhorou, comparado com a de antigamente. Pois no meu tempo para ir para escola o único meio de transporte era a cavalo ou a pé.

AA: Quais foram os desafios que a senhora teve que enfrentar na vida?

AL: Eu tive apenas uma filha, a Elsa que mora comigo. Lembro que em duas gravides tive problema onde perdi dois bebês, porém quando estava gravida da minha filha Elsa, eu solicitei licença de um ano para se cuidar melhor e não correr o risco de perder o terceiro filho. Quando terminou o período da licença, eu retornei ao trabalho de professora, onde lecionava em uma escola particular (Escolinha de Campanha) em frente, onde hoje, é a Escola João Alfredo Sachser, na época minha filha tinha sete meses, lembro que no início para ir para escola, eu ia de charrete aranha, depois a cavalo ou a pé; enfrentando frio, chuva, geada ou sol. Uma lembrança que eu não esqueço, é quando minha filha ainda nenê com apenas sete meses, eu tendo que trabalhar tive que deixar ela com um morador próximo da escola, esse era o meu cunhado, que cuidava da minha filha até que eu voltasse da escola. A escola que eu lecionava contava com apenas uma sala e com um quadro negro, as mesas eram juntas com um banco.
Um fato marcante que eu recordo, era de quando eu tinha que ir trabalhar na escola e a minha filha (nenê), com apenas oito meses, tinha que ir junto comigo carregada nos braços. O cavalo que eu tinha era muito alto, próximo da minha casa tinha um cepo, onde eu utilizava para montar nele, com a mão esquerda segurava as rédeas e com o braço direito segurava a minha nenê, para poder montar no cavalo e ir trabalhar na escola, antes disso, deixava a nenê para minha irmã mais velha cuidar, no final da aula passava novamente para buscar a minha filha e retornava para casa a cavalo com a nenê nos braços. Após relatar esse episódio algumas lagrimas brotaram dos olhos da dona Luzia.

AA: Quais os fatos marcantes na história do Mundo, do RS ou do Brasil, que a senhora vivenciou ou que mais chamou a sua atenção, descreva alguns?

AL: Quando eu era criança na casa dos meus pais, o que me chamou atenção foi que meu pai comentava sobre a Revolução de 1923, meu pai apoiava os revolucionários aliados de Joaquim Assis Brasil, chamado Assisistas ou Maragatos, que usavam no pescoço um lenço vermelho. Do outro lado, eram os partidários do presidente do Estado, Borges de Medeiros, conhecidos como Borgistas ou Ximangos, que usavam no pescoço um lenço branco. Meu pai mandou bordar em seu chapéu a palavra, liberdade a muque.

AA: A senhora ficava sabendo dos fatos ou notícias, através de quais meios de comunicação?

AL: Lembro que o meu pai recebia em casa exemplares do Jornal Diário de Notícias e Correio do Povo, ambos de Porto Alegre. Também lembro que em nossa residência não tínhamos rádio. O único meio de ficar sabendo das notícias era através do jornal e das conversas com os amigos e com a vizinhança.

AA: Nesse próximo domingo acontece as eleições gerais no país, a senhora irá votar?

AL: Não, pois as minhas vistas já estão fracas. Na última eleição municipal de 2020, eu votei para prefeito e vereador.

AA: Qual a importância do voto para a democracia e a cidadania?

AL: É importante escolhermos os nossos representantes, pois independente de participar ou não da eleição, o país vai precisar de alguém para governar. Quando a gente achar que um candidato não lhe convém, temos o direito de escolher outro, isso chama-se democracia.

AA: Quais são algumas das suas filosofias de vida ou os pontos de vista que senhora compartilharia com essa nova geração?

AL: A primeira coisa é se lembrar sempre de Deus, pois nós temos um Deus que nos governa. O que eu acho mais importante é ter fé e praticar uma religião, além da postura.

AA: O que a religião e a fé significam para a senhora?

AL: Significa a base de tudo, ou seja, o que nos move e nos fortalece para seguirmos em frente, é ter fé e, sobretudo uma religião.

AA: Quais são alguns valores pessoais que são muito importantes para senhora?

AL: Em primeiro lugar a religião, a segunda à família, a pessoa deve ter moral e ter um bom comportamento e ser sempre de verdade e honesto.

AA: Fale um pouco, sobre as festas, bailes de antigamente, a senhora participava, como eram?

AL: Eu gostava muito de baile, desde criança eu já dançava, com cinco anos já gostava de dançar. Sempre que eu podia sempre ia nos bailes. Com dez anos de idade, eu já tinha um par para dançar nos bailes (matinê). Eu lembro que a iluminação do salão de baile da comunidade era o lampião que os vizinhos emprestavam para que o baile pudesse acontecer, ainda não tinha a energia elétrica. Era aconselhável não dar o ‘carão’, independente de ser alguém indesejável, mas não podia negar de dançar uma peça. Eu me preparava para ir no baile, na época usava para me maquiar o pó de arroz.
O baile iniciava-se a noitinha e ia até o dia clarear, ou seja, ao nascer do sol. No assoalho de madeira era passado a raspa de vela ou sebo, depois mais tarde, eu já moça, era utilizado farinha de milho espalhado pelo salão. As vezes levantava muito pó, daí parava o baile para varrer um pouco do pó.

AA: De que a senhora tem medo?

AL: Não tenho medo de nada, pois tenho Deus comigo.

AA: Quais são algumas das lições de vida que a senhora gostaria de passar para as futuras gerações?

AL: Ter respeito pelo pai e a mãe, respeitar os mais idosos.

AA: Qual é a receita e/ou segredo para compartilhar com quem está lendo essa entrevista, para se chegar a essa idade com disposição e, sobretudo, levando a vida com alegria e com felicidade?

AL: A primeira coisa é ter religião, ter fé em Deus; depois cuidar da saúde, cuidar em ter uma boa alimentação, evitar comer ‘porcarias’, ou seja, coisa industrializadas que muitas vezes prejudica a nossa saúde. Também evitar tomar refrigerantes. Ter paciência e caminhar bastante, sempre caminhei daqui de casa até a escola, que ficava no palmeirinha, em torno de 10Km.

AA: Se a senhora pudesse voltar no tempo e fazer as coisas de novo, o que senhora mudaria?

AL: Gostaria que as pessoas que já partiram pudessem voltar novamente ao nosso convívio. Meu saudoso esposo faz 21 anos que faleceu, repentinamente sentiu-se mal e venho a falecer. Eu casei com 38 anos de idade, com Selvino Busch, ele era caminhoneiro.

AA: Relate um pouco sobre o seu dia a dia, qual a sua rotina, o que gosta mais de fazer, qual a sua dieta alimentar ou que mais gosta de comer?

AL: Acordo tarde, pois vou dormir por 22h, as vezes acordou mais cedo. Gosto de rezar e assistir programas religiosos e missas pela TV. Gostava de ler a revista rainha e a bíblia. Até aos meus 93 anos fui catequista, na Igreja Nossa Sra. Aparecida de Três Lagoas. Quando enxergava melhor, gostava de bordar ponto cruz, também gostava de escrever poemas de minha autoria (durante a entrevista, sua filha trouxe um livro de capa dura, com os poemas escritos pela dona Luzia, aliás belíssimos poemas). A comida que eu mais gosto é arroz com galinha, batatinha ensopada, arroz doce, no domingo quando reúne os familiares, netos, bisnetos, daí é feito o tradicional churrasco. Gosto de comer carne de porco e tutano com farinha de mandioca. Gosto de ouvir música gaúcha e sertaneja. Também adoro as festividades de Natal e Final de Ano, são momentos marcantes, pois reuni toda a minha família para celebrar a vida, motivo de muita alegria.

AA: A senhora completou no último domingo 25 de setembro de 2022, 105 anos de idade, mais de um século de vida, qual a mensagem que a senhora quer deixar para quem pretende alcançar essa idade, qual dica, qual conselho, para se conseguir essa longevidade?

AL: Praticar a religião, cuidar da saúde e caminhar bastante.

Em uma hora de entrevista, podemos conhecer um pouco desta bela trajetória de mais de um século de vida e de luta; mulher de fé e muito religiosa, que enfrentou muitas dificuldades, mas em nenhum momento pensou em desistir, mas continuou a caminhada sempre seguindo em frente. Foi uma tarde de muita troca de conhecimento e aprendizagem, que levarei comigo para sempre. Agradeço a dona Ana Luzia Brito Busch, pela sua gentileza e pela acolhida, minha imensa gratidão.


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